Uma piada séria.

ATENÇÃO: Essa crítica contem informações inúteis e spoilers.

Os filmes dos irmãos Coen nunca me agradaram o suficiente. Sempre ouvi falar muito bem da dupla e adjetivos como “inovadores”, “criativos” e “importantes” sempre são citados em críticas a qualquer filme dos irmãos. Porém eu não conseguia encontrar nada realmente digno de nota nos filmes. “Onde os fracos não têm vez” (perdoem o trocadilho) é um filme fraco, meio sem graça, com poucas cenas boas. O final, e a cena em que o assassino bizarro e o xerife estão separados por uma porta de hotel e um lapso temporal são cenas realmente excelentes, mas uma música não salva um disco inteiro. “Gosto de Sangue” e “Fargo” são legais, mas nada demais.
Dai eu vi “Um Homem Sério” e tudo que eu pensava sobre os Coen foi invertido, como se elevado a -1.
Mas vamos ao começo. Eu me interessei pelo filme porque eu tinha lido em algum lugar, em alguma parte do tempo, que o filme era sobre um professor de física judeu que passava por diversos problemas pessoais, e recorria ao auxílio espiritual de rabinos. Todos os filmes deles (que eu vi claro) são sobre expor personagens aos limites, e satirizando as atitudes desses mesmos personagens diante dessas situações claustrofóbicas. Então eu já os imaginava satirizando o pensamento racional (no caso a física) e também as atitudes contraditórias do professor de abandonar a física e buscar auxílio na religião.
Se fosse uma prova “sobre qual é o assunto do filme?” e eu respondesse esse parágrafo ai em cima, eu acho que eu tiraria 1 de 10. Talvez menos.
O filme tem tudo isso ai que eu falei, e muitos outros elementos. Seja a família de Larry (o professor), em que sua mulher termina a relação com um dos diálogos mais aterradores e cruéis que eu já vi, seu filho fuma maconha e mistura o rock com a tentativa de aprender as tradições judaicas para seu bar mitzvah, sua filha rouba seu dinheiro e seu irmão é um viciado em jogatina.
Isso sem contar nas cartas misteriosas, que ameaçam seu emprego como professor na universidade, e a tentativa de suborno por um de seus alunos.
Como o Coringa em “A Piada Mortal”, que tortura a mente do comissário Gordon, para provar a Batman, que qualquer um pode enlouquecer em situações extremas, os irmãos- diretores aplicam situações extremas a Larry, para ver se ele resiste. Mas as situações não vêm em seqüência, como se esperaria de um filme mediano. As situações aparecem como sem relação, num surrealismo do mais real possível. Tanto que o professor, mesmo com todo seu conhecimento matemático, não consegue achar lógica no que Deus apronta com ele. Não consegue somar, dividir e equacionar os fatos, as ações e reações que as outras pessoas fazem. Como as falas dos dois rabinos que Larry visita. Uma mais absurda inútil e ridícula que a outra. Ridícula pra Larry, claro. Pois a história que o segundo rabino conta sobre o dentista que encontra a mensagem de Deus num lugar pouco provável é genial! Uma coisa meio Thomas Pynchon em “V”, que tem um personagem que busca a pessoa com a arcada dentária perfeita. A história do dentista nem final tem. O que deixa Larry anda mais atordoado. E o terceiro rabino, que seria a esperança de redenção do professor, nunca atende o coitado.
Além disso, sua mulher quer divórcio para se casar com um sujeito cara-de-pau e cafajeste.
Todos os elementos orbitam sobre Larry, numa dança sem fim, que o confunde cada vez mais, e confunde também nós, expectores. Fiquei imaginando: “como as coisas podem tomar tal rumo, como tudo pode ser tão confuso, como nada tem resposta?”. Larry mesmo me respondeu, na cena em que está explicando física quântica para seus alunos… Não existe certeza. Você nunca vai ter respostas precisas. É como se todas as informações que chegam a você, vem com um ruído impossível de ser anulado. Nunca existira um sentido pleno das coisas. Sua luta sempre falhará. Marcello Rubini em “La Doce Vita” e Josef K em “O Processo” são de certa forma, irmãos de luta de Larry. Tentam achar o sentido de sua situação na realidade, de todos os meios possíveis. Mas enquanto Rubini está em um ambiente de festas, glamour e Josef k. perambula por ambientes apertados e escuros, Larry vive a dualidade de dias ensolarados e quartos de motéis sombrios. A sala de aula de cores frias e a casa de sua vizinha de cores quentes e exageradas.
Grande parte da crítica considerou o filme como uma piada irônica da religião judaica, uma fábula sobre os problemas políticos econômicos recentes ou também uma obra autobiográfica, já que os irmãos são judeus, filhos de professores universitários. Bom, eles tirariam mais ou menos uns 4 de 10 naquela prova que eu inventei…
O filme tem tantos elementos que é muito contabilizá-los, quanto mais relacioná-los.
É provavelmente um dos melhores filmes que já vi nesses últimos anos, e de longe o melhor dos irmãos Coen. Vejam e vejam de novo várias vezes.
É um filme genial. Nota 10.

Obs: Reparem na relação entre a cena da conversa entre o filho de Larry e o rabino e a primeira seqüência do filme.

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